há uma cantiga em surdina
há brincos de princesa no jardim
há carreiras de familia de formigas unidas, igual à minha.
há uma porta que range com o som de antigamente
há uma voz que ri o que já não pode ser gargalhado.
há doce de abóbora
há cheiro de líquido de limpar pratas
há supertramp a tocar
há o carro do pai a estacionar na garagem
há barulho de agulhas a bater; a avó tricota na janela, ao sol.
há uma cadela de pelo encaracolado que nos ama a cada dia que passa
há irmãos que riem, leves
há uma mãe com voz e coração macios
há um pai com voz forte e segura
há canções dos tachos e dos pratos e da água na cozinha
há primas estendidas na nossa vida
que partilham somam e seguem (sempre connosco)
há livros nas estantes, flores nos canteiros,
piadas nas palavras e esperança nos olhos.
há um tempo que escorre felicidade
e se evapora em momentos felizes.
há tanta coisa que já não há.
e há: a minha memória, que nunca deixará.
de haver.