Perguntou de onde
vinha a paz. Se era uma coisa que vinha de si, quando determinadas forças e conjunções
a isso se pudessem predispor, ou se, em certos casos, poderia até ser uma coisa
alcançada, que dela exigisse algum trabalho adicional.
Responderam-lhe que a
paz era uma coisa muito interior, que podia ser alcançada quando determinadas
forças e conjunções a isso se pudessem predispor mas que em cada um de nós haveria
a capacidade, melhor ou pior, em certos dias, de a alcançar.
Responderam-lhe isso
com aquele ar terrivelmente adulto, que não permite qualquer outra pergunta. Com
uma certeza encerrada.
Foi para casa pensar naquilo.
Como haveria de a divisar. Ou, como conseguiria em primeiro lugar,
vislumbrá-la, já que só se pode alcançar aquilo que está ao alcance dos nossos olhos.
Certo é que começou a
fazer esse exercício diariamente. Primeiro não viu nada. Perscrutava com uma
atenção focadíssima e nada conseguia aferir, para além das coisas normais das coisas
normais.
Um dia, porém, vislumbrou
uma coisa atípica, nada identificável, uma sombra que nada tinha de sombra e
tão pouco de contorno; seria antes uma sensação, uma espécie de movimento
interno de uma qualquer parte do corpo que lhe provocava no cérebro uma comichão
pequena e espirituosa. Agarrou-a com unhas e dentes; reteve-a no parapeito dos
sentidos.
Amarrou-a depois à memória
e aos olhos. À boca e às mãos.
E resolveu segui-la. Deixou-se
ir. Primeiro sem saber para onde ia.
Andou às apalpadelas e
aos encontrões.
Mas o certo é que foi.
Certo é que aquele bocadinho
de coisa que na realidade não era coisa era um rabinho escondido de paz.
Certo é que depois
desse rabinho veio uma perna e depois um braço.
E depois disso veio um
abraço.
Um abraço dela, à paz
dela.
Foi assim que ficou a
saber que sim, a paz se encontra por vezes instalada, mas também se alcança.
E sim, a que se
encontra instalada é muito boa.
Mas a que se alcança é
mil vezes melhor.
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