Existiu, em casa dos meus pais, um canário que a minha mãe baptizou de Zequinha.
O Zequinha era um canário amarelo, de plumagem fina e cabecinha redonda, de olhos vivos e poupa da mesma cor.
O Zequinha seria um canário absolutamente normal como os outros canários que até hoje conheci se não fizesse coisas que eram absolutamente estranhas e não usuais nos pássaros da sua espécie.
De facto o Zequinha via um dedo aproximar-se da pequena gaiola e todo ele se inflamava, saltava no poleiro, piava repetidamente. E se alguém tivesse coragem bastante para introduzir o dedo na gaiola então ele dava-lhe pequenas bicadas, e ficava-se por ali a “lutar” com aquele dedo, como se de um verdadeiro duelo se tratasse.
Com o tempo, o Zequinha aprendeu a linguagem fininha e paciente da minha mãe.
Ela entrava na sala, de manhã e dava-lhe os bons dias e ele respondia-lhe com um esvoaçar cheio de carinho. A minha mãe sentava-se, no quintal, com a gaiola perto de si, a ver revistas e sempre, sempre a falar com ele. A minha mãe jantava na mesa, sentada e quando ela falava ele estremecia, com a sua voz. Desafiando-a, piava e só se calava quando ela se aproximava da gaiola.
O meu pai, que criou dezenas de canários durante a sua vida e nunca, diz ele, nunca viu assim um canário, que comunicasse, que conhecesse a voz, que conhecesse o cheiro e a mão e que tivesse aprendido assim, a gostar…
Com a paciência e doçura que lhe são habituais, a minha mãe ensinou-o a gostar de folhas de alface, a descansar ao sol com ela, a gostar de bolos e até a descansar na sua mão. E de facto ela metia a mão na gaiola e o Zequinha pulava para cima dela. Quando estava bem disposto e cheio de energia dava-lhe bicadas porque não sabia dar-lhe beijos. Quando estava cansado e nos últimos tempos, já velhinho, descansava na mão dela até adormecer.
O Zequinha adoeceu este ano no Verão, quando os meus pais foram para o Algarve, durante um mês.
Quando voltou a casa dos meus pais, depois das ferias, vinha sem forças, sem conseguir empoleirar-se. A minha mãe deixou de comer com ele e a sua respiração tornou-se pesada como a dele. Ainda assim, fraco e doente, só reagia com a voz e a mão dela.
O Zequinha morreu hoje, a dormir, na mão do meu pai, e a minha mãe pô-lo numa caixinha da sua avó, uma caixa de cartão que sobreviveu ao tempo, cheia de eucaliptos e rendas, uma caixa especial que ela tinha guardado, sem saber, para este destino.
O Zequinha morreu de velho mas também segundo a minha mãe, de saudades dela, mas morreu feliz e cheio de amor.
Porque amor foi o que a minha mãe ensinou um pássaro a sentir.