quem é que inventará as… cenas?
por exemplo, o termo “estou feita ao bife”. porque não dizemos antes “estou feita ao “filé mignon”? além de ser mais giro o filé quando é bom mete o bife num sapato.
agora usa-se muito o termo “estás-te a esticar”.
acontece-me de vez em quando ouvir assim umas coisas, arrebitar as orelhas face ao total desconhecimento do termo e passados dias ver-me a usá-lo, quase sem me dar conta.
é como quando se diz “tótil” ou “bué”.
gosto mais do “tótil”, se bem que eu ainda sou do tempo do “n”.
estou “n” contente. trabalhei “n”.
fica muito mais giro do que estou “bué” contente. trabalhei “bué”.
em Valongo há toda uma serie de termos que ainda agora me fazem corar. de espanto.
as pessoas chamam-se entre elas “pombas”, “mor” e “rei”.
é vê-las, nos supermercados, com os carrinhos cheios de refrigerantes e leite gordo, com as barriga a verter das calças, a murmurar num sotaque irrepreensível: “ó pomba tens a chabes?”.
ou então os pequenitos ranhosos sentados nos carrinhos a tirar macacos e a fazer com eles bolinhas, e a ouvir a mãe com o cabelo até à cinta a dizer: “tira a mão do nariz, rei!”.
ora tudo aquilo me faz uma confusão bestial.
quer os refrigerantes, quer o leite gordo, quer as barrigas, quer o “rei” e a “pomba”.
ontem fazia compras no intermarché e estou eu na zona dos legumes quando uma senhora velhota viúva de cabelo ralo aos caracóis me pergunta
com um alho francês todo esticado: “ó pomba isto pesa-se adonde?”.
e eu respondi “não sei minha senhora” e logo um senhor baixinho parecido com uma sagres mini, de bochechas vermelhas e barba à capitão Iglo interrompe e exclama num português perfeito “atão bocê não sabe que se pesa na caixa?” – e riu um riso tabágico e mostrou-me a sua rara colecção de dentes e continuou, de chinelos de quarto encabeçando uma família de “bolas” – a mulher, que se rebolava de fato de treino pelos corredores, e as duas meninas, com vestinhos 2 tamanhos-abaixo, que ainda não rebolavam completamente mas iriam fazê-lo muito em breve.
de cada vez que vou ao supermercado aprendo um termo novo e demoro-me sempre mais do que queria já que fico embasbacada a olhar para aquela gente a pontapear abusivamente a nossa amada língua, como se fossem realmente reis e rainhas, ofuscantes e magnificentes, em toda a sua majestade gramatical.