ela não era grande espingarda nas coisas de cozinha; a imaginação que empregava em tantas outras áreas da sua vida consumia-se rapidamente e quando chegava às lides culinárias era apenas uma sombra longínqua de uma vontade que por si só já não era muita.
de maneira que apreciava quase todas as pessoas que se mexiam bem na cozinha e às vezes encostava-se à banca a conversar e a aprender coisas tão básicas como preparar espargos para saltear ou demolhar feijão vermelho.
seria por isso que também gostava de cozinhas para fazer quase tudo: conversar, confessar, brincar, amar.
ele tinha um jeito particular para cozinhar. tinha queda, pensava ela, e tudo o que fazia era como se fosse uma obra única, com os pormenores minuciosamente observados e até com um certo charme na forma como manipulava os utensílios e lançava de longe os temperos.
não gostava de coisas básicas; um jantar era um jantar e tinha de ser com todos os matadores: entrada, prato, sobremesa. já ela procurava o mais simples e rápido de preferência que não sujasse muita louça e não implicasse medições.
em tempos contara-lhe a mãe que as mulheres também “levavam” os homens pela boca caso fossem boas cozinheiras.
no caso dela nunca seria assim.
havia dias em que se chateava com isso. imprimia umas receitas e jurava a si própria que uma vez por semana iria cozinhar coisas “especiais”.
mas a vontade de cozinhar era rapidamente substituída por um livro ou por um programa no Mezzo.
havia outros em que se borrifava para a comida e para as receitas e fazia coisas extraordinárias e bizarras para o jantar, quer pela combinação dos sabores quer pela combinação das cores.
e outros dias havia em que tinha muitas saudades dos cozinhados que ele lhe fazia.