saíu do consultório médico. tinha o nariz vermelho e os olhos aguados.
parou ao balcão. e eu reparei porque a médica saíra no seu encalço.
a mulher chorava por dentro. a médica pôs-lhe a mão no ombro e ela chorou mais.
um toque faz-nos sempre desabar. um toque de pele, uma atenção.
a mulher tinha um envelope na mão. um envelope que continha uma má notícia.
a médica despediu-se. e ela desabou.
e todos aqueles que estavam sentados na sala de espera foram espectadores passivos daquelas lágrimas.
abandonou-se ao sufoco da doença, à terrível verdade e o corpo sacudiu-se com espasmos.
tapava a cara. tapava os olhos. só não me tapou a mim.
levantei-me e aproximei-me. com o peso do passado de dois casos tão próximos em duas pessoas tão próximas.
pus-lhe a mão no ombro. ela chorou mais.
um toque faz-nos sempre desabar. eu desabei com ela por dentro.
ela agarrava o envelope com a notícia e eu agarrei-me a todas as forças que tinha para lhe perguntar se precisava de ajuda.
e quis dizer-lhe tudo quis dizer-lhe tanto quis dizer-lhe que tudo ia correr bem.
só consegui murmurar "precisa de alguma coisa"? eu estou aqui - disse-lhe.
os meus olhos encontraram os dela e choraram com ela.
dei-lhe um abraço com os olhos.
pagou, a chorar, guardou o cartão, a chorar, recebeu o recibo, a chorar.
e foi-se embora, a chorar.
pequenina no meu canto, do tamanho de uma formiga
eu chorei lentamente sem fazer barulho, borrei cara de pintura
e alheei-me do mundo e da sala de espera daquele hospital.
e pedi, pedi a não sei muito bem quem,
pedi mais uma vez, como já pedi pelos menos três vezes,
que esta maldita doença deixe de caçar mulheres e que lhes dê paz.
as minhas mulheres e todas as mulheres.
porque elas não merecem.
não merecem.