by Julia Steinigeweg
a mulher atrás da janela do prédio ao lado da rua que dá para a margem direita do rio - aquele ponto exato onde o mar lhe volta as costas –
é uma mulher de trinta e poucos anos
que todos os dias ali se põe, à janela.
põe a tocar o "some day my prince will come"
e deixa-se ficar ali de perfil.
de perfil, sim, porque sabe que ele é bonito.
já inúmeras mãos, masculinas e sorrateiras, lhe deixaram bilhetes na caixa do correio.
bilhetes escritos a mão leve, com letras tontas de desejo, com suor a verter-se despudorado.
já incontáveis homens se detiveram à espreita e à escuta; a tentar obter dela nem que fosse um pestanejar. mas não,
a mulher parece mais uma não-mulher-de-verdade
porque parece nem respirar;
porque o seu peito não sobe e desce no compasso das batidas
porque os seus olhos vítreos apontam sempre na mesma direção
e porque há dias pousou-lhe um mosquito no contorno do lábio direito e...
e nada aconteceu.
na rua, continuam a fazer-se apostas relativas ao corte da franja do cabelo, à cor da blusa, ao formato da jarra, à alvura das cortinas, à espécie das flores.
a mulher atrás da janela do prédio ao lado da rua que dá para a margem direita do rio - aquele ponto exato onde o mar lhe volta as costas –
é uma mulher que deve querer qualquer coisa
mas ainda ninguém descobriu o que ela quer.
30/11/16
29/11/16
apetites esquisitos
uma praia de livros já lidos
um mergulho em memórias com festas de família
um moreno de rugas sorridentes e boémias.
e, depois de isto tudo,
um gravador pequeno
onde pudesse reter a cantiga contente do meu coração.
28/11/16
o escuro dos dias
são poucos aqueles que me conhecem a cor.
há dias de escuro, há dias de branco, cinzento.
dias de cores alegres ou de cores esfumadas.
hoje estou num desses dias - escuro. sem olhos. sem saliva na boca.
sem quente da pele. apenas sombras sem contornos definidos.
dias em que nem tudo corre como queremos ou esperamos.
dias em que a serenidade se transformou num mar mais agitado, com bandeira amarela.
dias em que o vento despenteia e a areia dói, de encontro ao corpo.
mas, mesmo assim,
dias em que não deixarei de ir à praia.
há dias de escuro, há dias de branco, cinzento.
dias de cores alegres ou de cores esfumadas.
hoje estou num desses dias - escuro. sem olhos. sem saliva na boca.
sem quente da pele. apenas sombras sem contornos definidos.
dias em que nem tudo corre como queremos ou esperamos.
dias em que a serenidade se transformou num mar mais agitado, com bandeira amarela.
dias em que o vento despenteia e a areia dói, de encontro ao corpo.
mas, mesmo assim,
dias em que não deixarei de ir à praia.
26/11/16
sono de tecidos
my photo
hoje dormi um sono de tecidos
um padrão de moiré inventado e nunca antes dormido: silencioso e ondulante, pardo e sentido,
observavam-me olhos vários, em esquinas estreitas, húmidas de frio.
estreitei-me num plano apertado e estático.
por lá fiquei, pequena, a deixar que sobre mim se mexesse a chuva em forma de criatura.
pelo corpo ondularam-se dias e dores, frenesis e faianças.
pelo corpo matizaram-se bocados de diálogos e franjas de sentidos, grades de memórias.
hoje sonhei um sono de tecidos.
e, quando acordei, tive muita dificuldade em decidir o que vestir,
hoje dormi um sono de tecidos
um padrão de moiré inventado e nunca antes dormido: silencioso e ondulante, pardo e sentido,
observavam-me olhos vários, em esquinas estreitas, húmidas de frio.
estreitei-me num plano apertado e estático.
por lá fiquei, pequena, a deixar que sobre mim se mexesse a chuva em forma de criatura.
pelo corpo ondularam-se dias e dores, frenesis e faianças.
pelo corpo matizaram-se bocados de diálogos e franjas de sentidos, grades de memórias.
hoje sonhei um sono de tecidos.
e, quando acordei, tive muita dificuldade em decidir o que vestir,
25/11/16
tão somente isto, agora.
https://www.youtube.com/watch?v=p9hRj4TzIfA
(com o coração apertado de tão, tão bonito).
(com o coração apertado de tão, tão bonito).
com a cabeça cheia de ação
pois é. ando a ver muitas séries de crime. policiais.
chego a casa tão cansada que nem consigo pegas num livro. pego na malha e ponho-me a ver séries.
às vezes sonho com as personagens e misturo-as todas.
já sonhei com a raínha branca da Guerra dos Tronos e com a Eva do Crossing Lines, no mesmo sonho. estranho, muito.
há dias dei comigo na casa de banho de casa, enquanto esperava que a água aquecesse, a fazer poses para o espelho como se tivesse uma arma na mão. aquelas viragens rápidas, com ar alerta, pernas ligeiramente flectidas. que figureta. também já o fiz no elevador aqui do trabalho, quando vou sozinha, claro está.
às vezes no carro faço vozes diferentes. imagino-me a prender psicopatas. a argumentar com advogados de acusação. a defender-me de ataques verbais.
desde miúda que tenho esta mania.
com 8 anos comecei a ver novelas brasileiras à socapa e nessa idade incorporei uma personagem brasileira e na escola falava brasileiro. a professora primária chamou a minha mãe, preocupada, que a "menina Laura Marisa" tinha começado a falar esquisito.
a minha mãe nunca entendeu a dimensão da coisa, nem sabia que eu via novelas, nem sequer chegou a saber que me correspondia com a minha prima de Viseu, que tinha também incorporado outra personagem brasileira de maneira que nos escrevíamos, como se fôssemos outras.
por volta dessa época começamos a escrever uma novela, a meias ainda tenho alguns desses cadernos guardados, de capa de xadrez. verdadeiras pérolas, representativas de uma infância e adolescência cheias de criatividade.
ainda tenho alguns resquícios desses tempos.
de outra forma, nunca me poria de estojo em punho, virada para uma parede e diria, com a voz mais cinematográfica que me assiste: ""Put your hands up, you're under arrest"
chego a casa tão cansada que nem consigo pegas num livro. pego na malha e ponho-me a ver séries.
às vezes sonho com as personagens e misturo-as todas.
já sonhei com a raínha branca da Guerra dos Tronos e com a Eva do Crossing Lines, no mesmo sonho. estranho, muito.
há dias dei comigo na casa de banho de casa, enquanto esperava que a água aquecesse, a fazer poses para o espelho como se tivesse uma arma na mão. aquelas viragens rápidas, com ar alerta, pernas ligeiramente flectidas. que figureta. também já o fiz no elevador aqui do trabalho, quando vou sozinha, claro está.
às vezes no carro faço vozes diferentes. imagino-me a prender psicopatas. a argumentar com advogados de acusação. a defender-me de ataques verbais.
desde miúda que tenho esta mania.
com 8 anos comecei a ver novelas brasileiras à socapa e nessa idade incorporei uma personagem brasileira e na escola falava brasileiro. a professora primária chamou a minha mãe, preocupada, que a "menina Laura Marisa" tinha começado a falar esquisito.
a minha mãe nunca entendeu a dimensão da coisa, nem sabia que eu via novelas, nem sequer chegou a saber que me correspondia com a minha prima de Viseu, que tinha também incorporado outra personagem brasileira de maneira que nos escrevíamos, como se fôssemos outras.
por volta dessa época começamos a escrever uma novela, a meias ainda tenho alguns desses cadernos guardados, de capa de xadrez. verdadeiras pérolas, representativas de uma infância e adolescência cheias de criatividade.
ainda tenho alguns resquícios desses tempos.
de outra forma, nunca me poria de estojo em punho, virada para uma parede e diria, com a voz mais cinematográfica que me assiste: ""Put your hands up, you're under arrest"
24/11/16
das árvores e das minhas pequenas coisas
Abro imagens e colho histórias, como frutos.
Suculentas, sadias, com cheiro a terra e a mãos.
Deixo que se desprendam: dos ramos mais altos das árvores, das flores mais envergonhadas e das sementes levadas pelos pássaros.
Virão parar-me às mãos um dia destes, num passeio, numa esquina, numa hora sem tempo.
Partilho agora convosco uma coisa bonita que me aconteceu ontem.
Na verdade hoje, de madrugada.
Vinha eu com o marido da Póvoa de Lanhoso, às 6 e meia da matinha, cansada, esgotada, esfriada, depois de 8 horas metida numa garagem a ajudar o meu mais que tudo a decorar um carro de corrida. Sim, não quis deixá-lo ir sozinho porque ele tem muito sono à noite e então decidi fazer-lhe companhia e ajudá-lo no que pude, que não foi muito.
Pois bem, esperava-nos uma estrada com geada, escura e fria, com o negro de boca escancarada, aberta para nos acolher.
Com o rádio sintonizado na Antena 3 (era das únicas estações que funcionava) dou por nós a ouvir um programa – Prova Oral – do Fernando Alvim, sobre árvores.
Bem, quando ouvi a temática do programa, fiquei logo curiosa. Quem é que faz um programa sobre árvores, ainda por cima de rádio?
Asseguro-vos que foi das viagens que menos me custou a fazer.
Em estúdio, os dois animadores do programa, vários ouvintes que entretanto decidiram participar e, um dos convidados – Susana Neves – autora do livro “Histórias que fugiram das árvores”, que nos deliciou com um discurso sábio e rico em deliciosos pormenores sobre árvores.
Fiquei feliz. Porque gosto de rádio, e porque a rádio se esquece tantas vezes.
Fiquei feliz por ter tido a sorte de ouvir este programa onde se discutiram temas tão pertinentes como por exemplo a reflorestação do território, o abate/cultivo de certas espécies em prol de interesses económicos e, volto a citar, tantas curiosidades sobre árvores, frutos, sementes, índios, países, viagens.
Dei por mim, durante a viagem a olhar para elas, as árvores. Embora escuras e imersas em frio, acenaram-me em silêncio e, frondosas, prometeram contar-me mais histórias, a partir desse momento.
Lembrei-me dos Senhores Pinheiros de casa dos meus pais (um manso e um bravo), que já foram pinheiros, meninos, de Natal e agora são adultos membros da família, a querer chegar ao céu, e deleitam, todos aqueles que passam na rua, porque são pinheiros felizes em todos os tempos do verbo. Apoderam-se dos olhos e das exclamações de vizinhos, famílias, crianças e ciclistas.
Quando voltar a uma livraria, vou querer desfolhar (e quem sabe adquirir) os livros dos dois convidados do programa – da Susana como já referi e de Pedro Castro Henriques – “Árvores Contadas de Outro Modo”.
23/11/16
eu quero uma casa no campo
lonely houses photographic series by sejkko
"Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa compor muitos rocks rurais
E tenha somente a certeza
Dos amigos do peito e nada mais
Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa ficar no tamanho da paz
E tenha somente a certeza
Dos limites do corpo e nada mais
Eu quero carneiros e cabras
Pastando solenes no meu jardim
Eu quero o silncio das lnguas cansadas
Eu quero a esperana de culos
E um filho de cuca legal
Eu plantar e colher com a mo
A pimenta e o sal
Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal, pau-a-pique e sap
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros e nada mais."
(tavito / ze rodrix)
22/11/16
compota de bem-querer
Christoffer Relander
Olha,
vou meter-me aqui neste frasco na delonga de mais um Verão dos nossos.
ficarei aqui a espreitar a nudez das árvores e a cantiga, em círculos, dos pássaros.
levo vários livros, um caderninho de folhas lisas e um lápis novo.
enquanto espero, vou escrever-te cartas de bem-querer e vou fazer desenhos de coisas venturosas.
vou fazer cinema de coisas paradas e vou fazer um filme desta estação em que me quero acalentar.
avisa-me quando os dias se despiram de geada e as flores se voltarem a trajar.
desperta-me, se possível, com um beijo breve e pequeno
que me tire dos cabelos o sono de Inverno
e me vaze, na boca, o hálito de Verão.
vou meter-me aqui neste frasco na delonga de mais um Verão dos nossos.
ficarei aqui a espreitar a nudez das árvores e a cantiga, em círculos, dos pássaros.
levo vários livros, um caderninho de folhas lisas e um lápis novo.
enquanto espero, vou escrever-te cartas de bem-querer e vou fazer desenhos de coisas venturosas.
vou fazer cinema de coisas paradas e vou fazer um filme desta estação em que me quero acalentar.
avisa-me quando os dias se despiram de geada e as flores se voltarem a trajar.
desperta-me, se possível, com um beijo breve e pequeno
que me tire dos cabelos o sono de Inverno
e me vaze, na boca, o hálito de Verão.
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